Um ano de vitória e luta da LEC
por Lívia Neves
O clima no Auditório do Instituto de Agronomia (IA) era de comemoração na abertura do Seminário de I ano de Educação no Campo, no último dia 14. Os alunos de Licenciatura em Educação no Campo, a LEC, se empenharam para deixar o auditório repleto de cartazes, que demonstravam sua origem agrária: “Sou terra mulher, tenho cheiro de vida”; e bandeiras do MST, Contag, Via Campesina, Fetag – RJ, CPT, entre outros, movimentos aos quais estão ligados. Alan da Silva Moraes, de 22 anos e estudante da LEC, explica que o curso proporciona aos alunos formas de ajudar as comunidades a que estão ligados, através da pesquisa de sua própria história de luta pela terra e da educação:
– O curso nos habilita em Ciências Sociais, Agroecologia, Segurança Alimentar e Humanidades, tudo voltado para o ensino no campo.
Nos dois dias que precederam o início do Seminário, os alunos tiveram a oportunidade de apresentar os seus trabalhos, frutos do tempo que passaram em campo – a dinâmica do curso, um pouco diferente, consiste em 3 meses estudando (tempo-escola) e 3 meses aplicando o aprendido em trabalho (tempo-comunidade).
A fala inicial foi do reitor da universidade, o professor Ricardo Motta Miranda, do diretor do IA, o professor Antonio Carlos de Souza Abboud que salientou a importância do aluno para a construção desse curso em especial, e do professor Zelson Giacomo Lóss, diretor do Instituto de Veterinária, que observou que até agora, a nossa universidade, com o título de “Rural” pouco havia se aproximado de quem realmente vive no campo e que a LEC é um curso que busca justamente isso.
Em seguida, a professora Nidia Majerowicz, pró-reitor de graduação falou da comemoração de um ano de um curso que foi uma proposta desafiadora e pioneira na instituição. Segundo ela, extremamente gratificante constatar que a Rural está atingindo pessoas que normalmente estão à margem da sociedade.
– Essa é uma oportunidade para a Rural e para os alunos, pois o pequeno produtor de alimentos, também deve ser contemplado com educação, uma forma de retribuir a sua importância – completou.
Antes do início dos debates, ocorreu uma apresentação de crianças assentadas da Escola Municipal de Campo Alegre. Após encenarem o surgimento da idéia de uma escola diferenciada, do campo, elas cantaram uma música cuja letra todos do auditório pareciam conhecer: “Não vou sair do campo para poder ir pra escola, educação no campo é direito e não esmola”.
Novamente, os alunos representantes de diversos movimentos sociais expuseram suas histórias particulares de luta pela terra (no total são 15 territórios representados), mediados pela professora Lia Teixeira. Cada um contou um pouco de sua própria história de luta, da dificuldade de estudar em escolas afastadas de onde se vive, que não condizem com sua realidade. Ou, no caso dos indígenas, que não usam sua língua e, portanto, da necessidade de uma educação diferenciada. Ainda, discutiram o problema do descaso e da falta de compromisso com quem vive da produção agrária por parte das autoridades, além da desvalorização da identidade camponesa, que faz com que o jovem dessas áreas não queira permanecer lá. A questão da desistência de alguns colegas da LEC, por falta de condições financeiras, também foi abordada.
Logo após, a palavra foi dada à professora Marília Campos, que discutiu as políticas públicas, fazendo uma crítica ao paradoxo estabelecido entre a grade curricular das escolas de educação diferenciada e as provas oficiais aplicadas pelo governo. Por serem padronizadas, essas provas cobram conteúdo diferente do aplicado e, por conseqüência, trazem para essas escolas uma pontuação baixa, podendo causar o fechamento de muitas delas.
Para a professora, a solução é estabelecer diretrizes de educação que correspondam às diferentes realidades de cada lugar, através da organização de comitês e fóruns. Muito crítica, Marília Campos citou Thomas Bernard para finalizar sua palestra: “a escola é a escola do Estado, na qual transformamos jovens em criaturas do Estado, isto é, nada mais do que cúmplices do Estado. Quando entro na escola, entro no Estado, e como o Estado destrói os seres, entro na instituição de destruição dos seres”.
Ainda no dia 14, foi a vez daqueles que participaram ativamente das lutas pelas terras contarem suas experiências, e da exibição e debate do filme Zé Pureza.
Enquanto o primeiro dia do Seminário foi marcadamente de comemoração e análise do curso em si, o segundo e o terceiro dias mostraram um aspecto didático, abordando assuntos específicos como a história da luta agrária, a educação agrária e agroecologia, os desafios que ainda devem ser enfrentados no trabalho comunitário e memórias das lutas sociais.
O Seminário levantou muitas questões que merecem ser discutidas: leis que respeitem as diferenças sociais; educação a ser repensada; o futuro da luta pela terra. O que ficou claro é que a LEC pode nivelar essa luta, já que é um dos meios que proporciona aos assentados, indígenas, quilombolas e caiçaras, aquilo que lhes é normalmente afastado, a educação.